A Rebelião de Ibomerus


Por muitos séculos, os monges Dai Bendu prestaram serviços para vítimas de guerra, tratando dos feridos e recolhendo os cadáveres para que estes tivessem um funeral com dignidade, algo muito importante ensinado por Ibomerus, o deus dos mortos, guardião das catacumbas do inferno. Mas tal costume não era de grande importância para as tribos bárbaras que viviam nas montanhas do oeste, sempre matando uns aos outros em nome de suas divindades com rostos de animais.

Por sorte, sabendo que eram aversivos a riquezas e completamente inofensivos, os líderes tribais permitiam que os monges recolhessem os corpos e fizessem um grande funeral coletivo para eles, desde que todos os pertences dos mortos fossem empilhados e devolvidos, para que pudessem ser usados novamente em batalhas futuras. E assim era feito.

Númer e Arthon, batizados como monges Dai Bendu desde o momento em que saíram do ventre de suas mães, recolhiam os corpos de guerreiros mortos num pequeno confronto que ocorreu no Desfiladeiro da Raiz Escura na manhã daquele dia, entre a tribo de Thalin e os seguidores de Romúk, o Rebelde. Era um dia fresco e os dois, já acostumados com o serviço, dariam conta facilmente de algumas dezenas de corpos. Alguns deles estavam bem mutilados, outros pareciam intactos, e alguns ainda respiravam, mas tão feridos que seria impossível ajudá-los.

Dezenove… – Contou Arthon, após depositar um corpo ao lado de muitos outros.

Faltam poucos – Disse Númer, olhando para os outros corpos que ainda trajavam vestes de guerra.

Um grunhido chama a atenção dos monges. Uma voz rouca parecia tentar formular palavras. Certamente algum dos corpos ali presentes demonstrava sinais vitais. Arthon e Númer rapidamente iniciaram uma busca pela fonte da voz, olhando cadáver por cadáver.

Está por aqui… Ei! – Indagou Númer, que sentiu algo puxando seu manto.

Ao olhar para o amigo, Arthon viu algo surpreendente, seus olhos piscaram e suas pernas fraquejaram. Um braço amputado se recusava a soltar o manto de Númer, fechando os dedos com força sobre o pano. Aos poucos, mais vozes roucas surgiram, como lamentos tenebrosos entre poças de sangue. Então os monges notaram. Os mortos estavam voltando à vida. Os corpos ao redor deles se moviam e tentavam se levantar. Alguns tinham expressões confusas nos rostos, mas outros pareciam bravos, com uma fúria apavorante nos olhos.

Incapazes de se mover ou pronunciar alguma palavra, os dois monges apenas permaneceram quietos e observaram aquela cena sobrenatural. Outro morto-vivo surgiu subindo numa pedra, este erguia a própria cabeça pelos cabelos ensanguentados para que pudesse atrair os olhares dos dois amigos. Com a boca jorrando sangue e os lábios arroxeados, a cabeça decapitada pronunciou algo:

Hoje a morte inundará o coração dos vivos, e a dor e sofrimento banqueteará sobre suas cabeças desprovidas de inteligência. Ibomerus reivindicou o Trono Divino. Os céus se tornarão escuros novamente.

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